domingo, 29 de agosto de 2010

E a vida que a gente leva...não é nada igual aos filmes que assistimos.



A cada nova comédia romântica lançada pela grande indústria cultural do cinema, Nelson Rodrigues deve se remexer no túmulo, angustiado com as tantas asneiras que os roteiristas e diretores tentam nos vender – e o que é pior: em quase 100% dos casos, conseguem. Alias, ele deve estar agoniado também com este texto. Afinal, usar o nome de tão importante jornalista, cronista e guru intelectual de toda uma geração de profissionais de mídia em vão é o equivalente ao pecado instituído no segundo mandamento, para quem acredita em ambos, claro.
Mas, voltemos ao Nelson – com o perdão da intimidade. Não que o ‘anjo pornográfico’, assim ele definiu-se certa vez para um jornalista que tentava entrevistá-lo, não acreditasse no amor, muito pelo contrário. Seus incontáveis casos extraconjugais depõem contra esse argumento. E suas frases genais também. Ou alguém que não ama – ou apaixona-se, não entremos em detalhes neste momento – escreveria algo como “Em 1911, ninguém bebia um copo d´água sem paixão”, e ainda “Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível”. O que ele não aceitava era a pieguice da perfeição amorosa, pois como ele mesmo escreveu “o amor bem-sucedido não interessa a ninguém”.
Então, se somarmos o que Hollywood nos empurra – com nosso consentimento, que fique claro – com o que nos tentaram fazer crer desde que o nosso polegar e o indicador se tocaram num movimento de pinça – que é também uma das poucas coisas que diferenciam nós, humanos, dos animais – teremos um cenário de muitas frustrações, algumas constantes alegrias e uma infinidade de perguntas que, inevitalmente, nunca serão respondidas.
E é justamente por nunca encontrarmos a solução para estas questões que tentamos de novo. E de novo. E mais uma vez. Como num roteiro destes nos quais o casal protagonista vive pelos 10 primeiros minutos uma linda história de amor que, no frame seguinte, se transforma em uma traição, que provoca uma separação, umas noitadas de bebedeiras e outros corpos – mas que se resumem apenas a isso, porque os rostos permanecem os mesmos do casal lindo. Então, quando não há mais lenços de papel disponíveis nas farmácias e os amigos não suportam mais o sofrimento, que do psíquico transborda para o físico, e o filme atinge um ponto em que a plateia fica entediada, num programa casual os sujeitos se reencontram, se declaram eternamente apaixonados e partem para um lugar ensolarado, onde a música é sempre agradável e as preocupações não extrapolam a de um fazer o outro feliz.
Mas, no final, deve ser isso mesmo o que importa: tentar quantas vezes for preciso, pois, como diria Nelson, “Sem paixão não dá nem pra chupar um picolé”.

*Texto publicado, originalmente, na edição de Agosto da Revista Spelho. Sim, de jornalista à colunista em um piscar de olhos.